[Parte 3] Espera por mim, meu amor
Eu não passava de um homem de rua que empobreceu por destino e escolha, pedia, dormia ao relento, até ao dia em que um braço amigo me curou da gripe.
Era inverno, tossia até doerem-me os ossos, ficara sem ar e desmaiara. Não me lembro de mais nada antes de acordar no hospital com um rosto que conhecera em tempos. Esfreguei os olhos, limpei a neblina, estaria a sonhar?
Nos meus olhos turvos, vi os teus olhos azuis, tão doces. Não reconheceste este imundo homem que fui e eu, de lágrimas a correrem-me pelo rosto, consegui proferir:
- Esperança?
- Tem de ter. – disseste inocentemente. Era impossível conheceres um homem como eu.
Devias ter a vida feita, uma família bonita, filhos bem-educados.
Tive vontade de chorar ainda mais…
- É a minha Esperança, de olhos azuis.
Não sabia como dizer-te, não sabia se ainda te lembravas de mim. Oh meu amor! Comecei quase a declamar para perceberes o quanto ainda vivias cá dentro.
- No Alentejo sem destino, cruzei-me contigo Esperança, era amor eu já sabia, desde que eras criança e eu um jovem. Os teus olhos azuis, a tua pele morena nesses longos cabelos loiros continuam com a mesma juventude, eu sou apenas um Américo que se tornou num Zé Ninguém.
Olhei-te nos olhos e choravas, choraste rios e mares e genuinamente, como duas crianças que não se importam com qualquer diferença social, abraçaste-me e aqueceste-me o coração.
(continua...)