Hoje dou-vos a conhecer uma nova rúbrica que se irá realizar às quartas-feiras, aqui no blog.
Em "Completas-me" convido um/a blogger para escrever comigo um texto, o/a convidado/a é desafiado/a a escrever uma história sem fim para que eu a termine.
Tenho todo o prazer de anunciar que a estreia desta rúbrica será com a simpática e talentosa Ana Ribeiro, do blog "Escreviver".
Não vos vou mais empatar e vou sim, dar-vos a conhecer o nosso texto em comum:
Querida saudade,
Há dias em que as palavras não chegam, as lágrimas cobrem-nos o rosto e parecem intermináveis, esmigalhando os poucos fragmentos de felicidade de que somos feitos. A dor da ausência, do vazio e da falta daqueles que mais amamos e que precisamos de ter perto derrotam-nos em pouco tempo. O aperto no peito torna-se tão intenso e profundo que é impossível de descrever e explicar, o desassossego que sentimos no coração e que nos consome à medida que o tempo passa, tortura-nos e despedaça-nos.
Estou aqui sentada nesta mesa fria, áspera e descolorida e o comboio que me leva para longe, obriga-me a partir, os carris deslocam-se pelas linhas férreas, e o comboio move-se em sentido oposto à minha vontade, à minha necessidade e ao meu pensamento.
Não te consigo compreender, não sei o que faz de ti um sentimento tão especial e tão único como muita gente parece estar habituada a dizer. Dizem que só os portugueses é que te sentem e te conhecem, que é algo indescritível. Como eu os compreendo, és indescritível pelos piores motivos, pelos motivos mais tristes, dolorosos e inóspitos.
Não percebo a tua utilidade, não sei de que és feita, para que serves, o que fazes, por onde andas, o que pretendes de mim. Não quero estar aqui. Não quero perder a pessoa que mais amo, não quero estar longe.
Há uma semana atrás, querida saudade, eu não te conhecia, nem tão pouco sabia que existias. Era a pessoa mais feliz do mundo, a mais realizada, a mais preenchida, a pessoa com mais amor que poderia existir. O Pedro, era o meu amor de longe e de sempre, conhecemo-nos no secundário, andamos sempre juntos, entramos na faculdade juntos. Tiramos o mesmo curso e depois o amor entre nós acabou por ser o resultado de todos aqueles anos de amizade e convivência quase diária, o Pedro sempre fora o melhor amigo, o melhor companheiro, o melhor ouvinte e o melhor a fazer-me rir, sempre me conheceu melhor que ninguém e quando eu estava triste ou tinha algum problema ele apercebia-se logo e disponibilizava-se para me ajudar e para estar incondicionalmente ao meu lado.
Vivemos um amor assolapado como poucos terão vivido, como eu e o Pedro. Um amor intenso, digno de um verdadeiro conto de fadas. O Pedro mimava-me muito, amava-me loucamente, tinha a brilhante capacidade de me surpreender todos os dias de uma forma inimaginável. Fazia-me as mais loucas declarações de amor; por isso, no espaço de seis meses estávamos a casar-nos e a vivermos juntos.
No entanto, a família de Pedro – de um dia para o outro – começou a intrometer-se naquilo que nos unia. Nunca percebi bem porquê, nunca soube se era por não gostarem de mim, se era por eu não lhes encher as medidas; a mãe de Pedro via em Liliana a namorada perfeita para o filho. A nora ideal.
A Liliana estudou com o Pedro no último ano do secundário e era filha de um casal amigo dos pais do Pedro. Raquel – a mãe de Pedro – desde muito cedo que engraçou com ela e fez de tudo para que ela e Pedro se enamorassem. Mas o que nos unia falou sempre mais alto e Raquel ficou sempre frustrada com isso, transformando a nossa relação num autêntico inferno.
Eu e o Pedro começamos a discutir quase diariamente, a amizade que nos unia foi-se desvanecendo e o amor que sentíamos um pelo outro esmoreceu, deixou automaticamente de ser o que era antes. O Pedro nunca mais foi o mesmo cortando relações com a família e ficando assim incondicionalmente ao meu lado.
Mas foram as palavras de Raquel que me fizeram deixar tudo para trás; infelizmente, sem pensar duas vezes. Pela amizade que me une ao Pedro, pelo amor que sentimos um pelo outro e pela nossa felicidade que há muito tempo que se encontra comprometida.
“Um dia vais provar o verdadeiro sabor da saudade, vais perceber que o teu lugar não é aqui, que nunca o foi.”
Li as suas palavras numa carta que cobardemente me escrevera, porque a senhora nunca mo conseguira dizer na cara todas aquelas palavras que me magoaram cruelmente. Não podia ser verdade, precisava de contar a alguém, mas sobretudo precisava de dizer ao Pedro o que ela nunca fora capaz de dizer na minha cara, apenas me fez assinar os papéis do divórcio após uma valente discussão que fez Pedro voltar a estar do lado da sua família. Enquanto tudo isso me passava pela lembrança, continuei a ler…
“Esquece o Pedro, que dizes ser o amor da tua vida, pessoas como tu, conheço a léguas minha querida, tu queres é o que ele te pode dar, aquilo que a tua vida medíocre nunca comprou. O casamento está marcado, estou contentíssima por não te ter como nora.
Adeus, minha querida!”
Eu não podia estar a ler aquilo, não podia ter descido tão baixo, ela podia quebrar o meu coração mas não o meu amor pelo Pedro. Apeteceu-me saltar daquele comboio para fora, queria saber a data e a hora marcada para acabar com a fachada daquele casamento patético, eu sabia o quanto ele ainda me amava, não podia ser idiota o suficiente para deprimir e tratar as coisas como Raquel desejara, não, eu não me iria resignar-me à ideia de ter sido trocada por alguém que ele não amava.
Mais algumas semanas se passaram e eu não descansei enquanto não descobri, e estava lá eu naquele dia, no dia mais “feliz” da minha querida “sogra”, não esperei que o padre perguntasse quem se opunha, porque o próprio noivo o faria, o seu rosto brilhou quando me viu entrar de surpresa na receção aos convidados. Pegou-me no braço e arrastou-me até à sala perto dos arrumos.
- O que estás a fazer? O que é que fazes aqui?
E sem que eu deixasse a minha boca responder por palavras, um beijo disse tudo. Depois de terminar e de eu sentir que era cúmplice, então todas as dúvidas mínimas despareceram.
- Deixa de ser idiota, tu não és isto, tu não queres isto, é a tua mãe e tu não és o apêndice dela, pensa por ti, deixa de te agarrar às escolhas que fazes para não a fazeres sofrer. – Disse, entregando-lhe a carta que ela me escrevera. – Porque ela não tem qualquer problema em fazê-lo.
Sem palavras ficou, abraçou-me num gesto de pena por ter sido tão influenciável.
- Qual é a solução?!
- Partir!
- Partir? Para onde?
- Longe.
E fomos, partimos à deriva, quebrando a saudade dos dias longos, que mostrou que o amor que nos une é maior que tudo aquilo que o tenta despedaçar.