08
Jul17
[Ficção] O meu corpo
Carolina Cruz
O meu corpo sujo nas tuas mãos.
Ou serão as tuas mãos sujas no meu corpo? Não tens direito... Não tens direito de me magoares assim, de achares que tenho de estar ciente e sabedora de que eu sou a culpada, que te provoquei, a estas horas, com a roupa que trazia vestida. O tanas.
As tuas mãos sujas no meu corpo. Não tens o direito, não tens de ser portador do prazer se eu não o quero contigo. Só porque és homem?
Essas mãos sujas não mandam em mim, esse olhar de "eu mando, tu obedeces" há de morrer, não comigo, contigo.
As mil facas espetadas no meu coração, sentidas no meu corpo, são embaladas para outra alma, qual a tua...?
Embora não a tenhas, essas facadas que te dou (agora que prometo matar-te para não morrer por ti) são as imensas dores que toda a vida me deste.
A violência doméstica não é apenas bater. Há muitas formas de cuidar e muitas formas de dizer "quero que morras", mil formas de se ser maltratado, de sofrer violência.
O meu corpo sujo, repudiado de ódio e rancor, não existe mais nas tuas mãos. Essas tuas mãos sujas morreram na ação, numa justiça feita pelas minhas mãos carregadas de medo, na busca de proteção, na busca de um futuro sem ti.
Jamais morrerei por ti, por isso o meu amor-próprio defendeu-se, vi-te morrer nos meus braços e, então, o alívio da minha alma sorriu.