[Ficção] É mais fácil morrer que partir.
Não sei porque escrevo para ti.
Não sei porque é que repito tantas vezes para mim mesma que, no próximo ano, sairei do cerco em que me aperto todos os dias.
Sim, vivo enclausurada nesse abraço teu que já não existe em mim, beijo-te em sonhos e toco-me lembrando-me de ti. Sinto-me inutil quando o faço, quando penso, quando ajo, sinto-me suja, impura e magoada.
Sinto uma dor no peito e um vazio que me domina. Eu já não sei quem sou, mas sei o que era e deixei de ser por ti, hoje sou apenas a mágoa num corpo, despido e morto, rendido ao passado e ao que não volta mais.
Olhava para a depressão de alguém com desdém e pensava: "morrem amores, mas a vida continua".
Agora que penso nisso, choro, julguei e tornei-me igual, partilho da mesma dor, do mesmo sofrimento.
Eu sei, é verdade que a vida continua, mas a alegria não. Falta-me esse teu abraço, o teu cheiro nos meus lençóis, o teu regaço no meu peito, o teu amor por completo.
Dispo-me da pele da mulher que amavas, estou nua de vaidades, nua de prazeres, de esperança.
Morro, porque já não quero existir, mas não morro inteiramente hoje, vou deixando apenas que o tempo, que dizem que cura, me faça aprodecer aos poucos, para me levar, por fim.
Assim acabarão as dores e o sofrimento de te querer e não estares, de te respirar e já não existires.
Assim não existirei sem ti.
E sem ti...
É mais fácil morrer que partir.