O meu desejo mais bonito de Natal
O frio faz-se sentir. A neve teima em não cair.
O inverno, por estes lados, é uma seca. Faz frio que gela, chove a potes, mas neve nem vê-la.
Falta um dia para a véspera de Natal…
Outrora, eu gostava do Natal, oh se gostava! A família reunia-se à volta da mesa, conversava-se, brincava-se na rua, ainda que com frio, mas sempre sem neve. Conversava-se olhos nos olhos, abraçávamo-nos corpo a corpo, tanto que até a alma sentia.
Hoje...
Hoje o Natal não é o mesmo, a família continua a reunir-se sim, mas já não há a tradição dos abraços ou dos beijos dos avós. As crianças já não brincam umas com as outras na rua, os pais não querem que elas apanhem frio, por isso dão-lhes os tablets para a mão, o que faz com que joguem, mas sem ser uns com os outros.
As prendas hoje são sobrevalorizadas pelos mais novos, amuam se não têm o querem e quando é do seu agrado é gabado no Instagram.
As pessoas não se abraçam, não se tocam, por vezes nem sorriem, mas a união existe na felicidade expressa na selfie postada no Facebook.
Tenho vinte anos e não sei viver nesta sociedade consumista das redes sociais, em que um abraço é dado num gif, um “gosto de ti” é enviado por mensagem, as conversas são no Messenger e não cara a cara
Gostava que as pessoas pensassem mais como eu, que dessem valor ao interior e à alma, e não ao que importa hoje: o aspeto exterior e a imagem.
Gostava que as pessoas lessem mais. Se o fizessem entenderiam melhor porque penso e ajo desta forma, tão intensamente.
Dizem que sou esquisito, mas não me importo, nunca me importei com o que os outros pensavam, exceto com o que a Madalena pensa.
- Vítor, vem brincar!
- Deixa-me só acabar este capítulo.
Tinha nove anos quando nos conhecemos, eu já lia vorazmente, era um leitor assíduo de todos os policiais.
Os livros sempre foram a minha tecnologia favorita.
“Tecnologia?” - perguntam vocês.
Sim, os livros são a plataforma mais interessante que existe, com eles aprendes a falar melhor, a escrever melhor, podes viajar, sofrer, amar, sentir, imaginar, aprender, tudo sem sair do lugar.
Ainda assim, quem mais me faz sonhar é a Madalena. Ela sempre entendeu que ler era o meu vício. Ela não me acha esquisito como todos os outros amigos. Creio que ela também gosta de ler, mas não tanto quanto eu, que isso é impossível.
Eu gosto de ouvi-la falar, gosto de olhar nos seus olhos cor de mel, gosto das pequenas coisas quando estou com ela. Somos amigos, chegados, vizinhos, mas ainda assim não tenho como dizer-lhe que a amo profundamente.
Falta um dia para a véspera de Natal…
E este Natal, não queria receber mais nada além do nosso amor. Bastava-me.
Ainda assim, queria também que neste Natal, as tecnologias não estragassem o momento e que se pudesse trocar uma chamada por um abraço.
Ou isso ou uma máquina do tempo que nos fizesse viajar aos meus natais antigos, mas isso é ficção a mais.
A véspera de Natal chegou, não houve nenhuma máquina do tempo. No entanto, a ideia genial da minha mãe fez-me viajar a tempos passados, cheguei à cozinha e ela colocara na lareira os nossos primeiros sapatinhos, estavam inundados de mofo, pó e de tamanha nostalgia. Sorri e os meus olhos inundaram-se de água, naquela saudade estavam os meus avós sentados à mesa e cheios de presentes não muito caros, mas de valor.
A tardinha e a noite chegaram num ápice, este ano o Natal pintou-se de cor, a tia proibiu os telemóveis, a mãe optou por contar histórias à lareira como fazia a avó Mena. A história falava de desejos e após a sua leitura, todos nós, juntos e de mãos dadas pedimos um desejo.
Eu escrevi o meu desejo mais bonito de Natal e embrulhei-o com esperança. Eu procurava esse amor perdido num livro como uma história secreta para todo o sempre, uma história de um amor feliz com a Madalena.
A noite passou-se entre canções e jogos de tabuleiro.
A meia-noite finalmente chegou, o meu tio vestiu-se de Pai Natal como fazia o avô João, as crianças voltaram a sonhar e a dar valor aos presentes que aquele velho de barbas brancas lhes tinha vindo dar.
Eu sorria ao olhar para tudo aquilo - livros pequenos, grandes, médios, eram oferecidos a todos os que ali nos presenteavam com a sua presença.
Estaria eu a sonhar?
Sorri, escapuli-me entre a criançada feliz e fui buscar o meu presente ao sapatinho.
Pé ante pé, suspiro atrás de suspiro, também eu tinha um livro como presente, um que já destacava na minha lista há muito tempo e que sempre que ia à Bertrand o devorava com paixão. Quando o abracei e folheei para cheirá-lo, porque sempre tive a tendência de abraçar e cheirar os meus livros, um bilhete caiu ao chão.
Qual não é meu espanto quando vejo que o bilhete era uma carta de amor como nos tempos antigos. Já ninguém escreve cartas de amor.
Continuarei eu a sonhar?
«Vítor.
Sei que os dias passam e ainda que sejamos vizinhos, que me dês boleia e um sorriso, eu nunca consegui dizer-te que o que sinto por ti vai muito além de um simples abraço ou de um beijo com o coração. Espero por ti na manhã de Natal, às 9h, como nos livros que também eu, secretamente, gosto de ler.
Madalena.»
A rapariga com que eu sempre sonhara, estava ali em palavras, diante dos meus olhos! Era brincadeira, com certeza!
Não queria crer, mas não podia enviar-lhe uma mensagem, as novas tecnologias estavam, felizmente (ou não), proibidas naquela noite.
Fui deitar-me o mais rapidamente possível para acordar mais rápido ainda, pois com certeza eu iria encontrar na manhã de Natal, tudo na mesma, igual a todos os dias em que a Madalena é apenas a minha vizinha e eu um idiota que não sabe dizer que a ama.
Amanhã será um dia igual com os miúdos sem leituras e nas redes sociais.
E eu sem o encontro com o amor da minha vida.
Não queria saber, deitei-me para sonhar e, para acreditar, pelo menos, que tudo aquilo que vivia era realidade.
Deitei-me, dormi ferrado no meu sono feliz durante oito horas longas.
Acordei, era Natal, estava tudo igual, nada tinha acontecido, as crianças não estavam nas ruas, nem a ler, não nevava…
Espera, que carta é esta?
Foi então que percebi, que o meu primeiro desejo era um sonho de Natal tornado realidade.
- Vitor? – disse Madalena vindo ao meu encontro.
- Esta é a minha mais bela história de amor. – disse-lhe.
Pingos de neve finalmente molhavam o nosso rosto que se unia num beijo. Sorri-lhe, ela retribuiu esse sorriso nos seus olhos cor de mel.
Dei-lhe a mão e nunca mais a larguei.
Bem, a não ser para ler um livro!
Fotografia: Méliuz